Turma 1 - A Experiência de Realizar um Mestrado
Heleny Almeida
A preocupação com aquisição de conhecimentos e o gosto pelo ato de estudar sempre esteve presente em toda a minha vida. O interesse pelo ensino também sempre foi muito forte. Ainda criança, adorava brincar de escola, atuando como professora. Aos 11 anos, cheguei a alfabetizar uma empregada da minha mãe, o que me trouxe uma satisfação incrível. Como casei e fui mãe muito cedo, 17 anos, tendo que assumir minha vida só, pois morava numa cidade distante dos meus pais, terminei o segundo grau e só voltei a estudar quando as crianças já estavam em idade escolar. Inicialmente fazia cursos que não me tomavam muito tempo: inglês, datilografia, taquigrafia, correspondência comercial, etc. Apenas aos 27 anos, retomei a minha formação acadêmica. Ingressei na faculdade de letras da UFRN. Faltando apenas um período para concluir o curso com bastante êxito, com convite de uma professora para me orientar no mestrado, meu marido foi transferido para o Rio de Janeiro. Foi a minha primeira frustração relacionada à realização de um mestrado. Na época, era apaixonada por lingüística, tirando sempre notas máximas em todas as avaliações e com bastante curiosidade para aprofundar os estudos na área. O curso de letras no RJ tinha um currículo bastante diferente. A UFRJ contabilizou mais três anos e meio para que eu o concluísse. Fiquei bastante desmotivada e resolvi ingressar no mercado de trabalho. Passei a trabalhar como auxiliar administrativo em um hospital que tratava de câncer ginecológico no Rio de Janeiro e a estudar numa faculdade privada que oferecia o curso no turno da noite. Minhas atribuições no emprego eram, dentre outras, receber as pacientes de primeira vez, abrir os prontuários e encaminha-las para consulta. Era um serviço simples e repetitivo, mas que necessitava de vários conhecimentos técnicos – português, datilografia – e também comportamentais – atendimento ao público. Observava, muitas vezes, a maneira grosseira como algumas colegas de trabalho atendiam às pacientes e já pensava como necessitavam de um treinamento. Cresci no trabalho, fui promovida através de aprovação em concurso interno, tornei-me chefe substituta. Ao concluir o curso de letras já não tinha grande interesse pelo magistério, principalmente em razão dos baixos salários oferecidos à categoria. Em 1994, meu marido foi transferido para o Recife e comecei a trabalhar na área de desenvolvimento de Recursos Humanos que é muito ligada ao ensino, satisfazendo, assim, a minha vocação. Fui também aprovada em concurso público para atuar na mesma área com cargo de nível superior. A carreira, por sua vez, dava incentivo à realização de cursos, principalmente mestrado e doutorado. Foi quando, pela segunda vez, decidi realizar um mestrado, desta vez, em administração. Teria que ser um mestrado profissional, pois não tinha tempo para dedicação exclusiva – não podia nem queria me afastar do trabalho. Surgiu a oportunidade e me submeti à seleção. Aprovada em todas as etapas solicitei aos meus superiores liberação parcial do trabalho, assim como pagamento do curso. Fui atendida, em parte, nas minhas reivindicações. Podia ir às aulas e o curso iria ser pago. Ocorreu, no entanto, que além do curso não estar atendendo às minhas expectativas, as minhas atribuições na instituição não foram reduzidas. Ao contrário, a cada dia surgiam novas demandas. A responsabilidade começou a pesar. Tinha que dar conta do trabalho e do curso que estava sendo pago pela instituição.Não conseguindo conciliar tudo, resolvi desistir. Foi a segunda frustração por não realizar o mestrado. Resolvi mudar o foco. Comecei a estudar para realizar concurso público para o poder judiciário, onde os salários são maiores do que no executivo, onde atuo. Assim, com um aumento no salário, compensaria a gratificação de mestrado que não iria receber. Além disso, continuaria dando vazão a minha ânsia de adquirir novos conhecimentos. Consegui aprovação em vários concursos. Cheguei próxima da nomeação em alguns. Já estava bastante preparada e a cada novo concurso, a classificação era melhor. Ocorre que, sendo nomeada, deveria assumir a função em cidades do interior de Pernambuco. Como tenho muitos problemas familiares que me impossibilitam o afastamento da cidade, desisti de estudar para concurso e, novamente, retomei o projeto de realizar um mestrado aqui mesmo em Recife. Não aventei a possibilidade de inscrição numa universidade pública por não me considerar com o perfil adequado para tal. Foi nessa época que surgiu a chance de realizar um mestrado em administração da forma que eu considerava adequada para mim: totalmente financiado por mim mesma – para tirar o peso da minha instituição estar envolvida –; com um horário conveniente – só iria tomar uma tarde do meu expediente -; e com a possibilidade de desenvolver um trabalho que pudesse ser aplicado no meu dia à dia profissional. Conversei com os meus superiores e mais uma vez, fui apoiada em tudo, desta vez, inclusive com promessa firmada de não aumentarem as minhas atribuições. Importante salientar que por vezes, houve tentativa de descumprimento da promessa firmada, sob alegação de que só eu tinha experiência acumulada para realização das demandas surgidas. Fui, no entanto, firme no meu propósito e aprendi a dizer não – coisa rara até essa etapa de minha vida profissional. Claro que tive que pagar um ônus para seguir minha determinação - tive minhas notas na avaliação de desempenho rebaixadas principalmente no item de comprometimento organizacional. Mas, como tudo não pode ser perfeito, aceitei e prossegui.
O processo de seleção foi iniciado com a prova de inglês no ABA. Havia estudado inglês durante muitos anos da minha vida, mas já estava sem contato com a língua há bastante tempo. Consegui, então, aprovação com nota 7. Não fiquei muito feliz, pois não conhecia o potencial dos outros candidatos e sempre me cobrei muito em relação a avaliações. A busca sempre foi pelas notas máximas como garantia de ter adquirido o máximo do conhecimento. Mas não havia o que fazer. O tempo havia sido curto para fazer uma revisão maior do programa. Fui, então, para a primeira reunião de esclarecimento com a professora Sonia Calado, coordenadora do mestrado da Faculdade de Boa Viagem. Foi “amor a primeira vista”. Nunca havia conhecido alguém com um entusiasmo tão contagiante, brilhante, convincente e clara na exposição. Tirei todas as minhas dúvidas em relação ao mestrado, às outras etapas da seleção, e sai de lá, apesar de um pouco receosa pela concorrência, certa que desta vez estava no caminho certo. Realizei a prova escrita sem maiores dificuldades. Havia lido bastante sobre o tema escolhido. A linha era gestão de pessoas. A última etapa foi a entrevista. Já foi uma prévia do que seria a defesa. Sentei-me diante de um “paredão” de quatro doutores. O nervoso era grande. As perguntas se sucederam. No final, pediram para eu dizer o porquê eles deveriam me selecionar, que argumentasse ao meu favor. Na minha mente só veio a experiência da tentativa de cursar o mestrado anteriormente e a minha desistência. Ainda era uma ferida aberta. Por fim, respondi que eles deveriam confiar em mim porque além de estudiosa eu era determinada e não iria decepcioná-los. Lógico que eu joguei, pois nem eu mesma tinha certeza disso. Eu tinha muita certeza do que queria, mas não sabia se conseguiria, ainda era um desafio para mim. Após alguns dias de expectativa e tensão, recebi o e-mail da professora Sonia, comunicando que eu havia sido aprovada, dando os parabéns e orientando para a matrícula. Não preciso dizer como fiquei feliz. Havia conseguido mais uma chance de provar para mim mesma do que eu era capaz e realizar o sonho acalentado durante tantos anos. Não era uma questão de querer exercer o magistério e sim de obter além do título, que é muito importante para minha carreira, adquirir conhecimentos novos, úteis para minha vida profissional.
O primeiro contato com a turma, diferente da experiência anterior, foi maravilhoso. Pessoas bem preparadas, mas muito simples, alegres e cordiais. Rapidamente me entrosei e fiz amigos. A disciplina que abriu o mestrado, Comportamento Organizacional, ministrada pela professora Sonia, tinha tudo de bom. A didática da disciplina não poderia ser melhor. A turma foi dividida em duplas que a cada aula apresentavam, de acordo com roteiro elaborado por Sonia, um capítulo do livro adotado e artigos pertinentes ao tema em estudo. Assim, o aprendizado era em cima do conteúdo e também da metodologia. Seguia-se a discussão do assunto. Eram momentos de puro deleite, principalmente durante as intervenções de Sonia, esclarecendo os pontos obscuros. Importante evidenciar a riqueza dos novos conhecimentos complementares adquiridos por força das obrigações do curso: programas de informática do power point, excel, exercício do inglês já que todos os artigos eram em inglês. No início as dificuldades eram grandes, mas no decorrer, cada novo desafio superado era motivo de grande satisfação e prazer. Esperava ansiosamente pelos dias de aula que traziam muita felicidade. Lembro, em particular, de um sábado, em que teríamos aulas durante todo o dia. Caiu uma chuva que alagou tudo nos deixando literalmente ilhados, impossibilitados de sair para almoçar. Sonia, imediatamente deu a solução: pediu comida pelo telefone e almoçamos todos juntos na maior alegria. No final da tarde, a chuva já havia passado e pudemos retornar aos nossos lares tranqüilamente, mais ricos em informações. Outra disciplina que também nos ajudou muito foi a do professor James – metodologia científica. Costumávamos nos reunir em grupo para preparar os questionários do livro adotado. Era uma turma muito unida que gostava de dividir o conhecimento. Vale registrar, ainda, o impacto causado pela primeira aula de estatística que tivemos. Realmente foi um choque, pois não conseguíamos entender nada. O professor que ministrou a referida aula, no entanto, para o nosso bem, resolveu desligar-se da faculdade e foi substituído pelo professor Régis que, apesar da própria natureza difícil da disciplina, conseguiu que aprendêssemos muitas coisas.
Uma outra dificuldade foi escolher o tema do projeto de dissertação dentro daquele universo fascinante de assuntos. Após levar várias sugestões para meu orientador, professor James Falk, que sempre as enriquecia acrescentando algum comentário, optei por trabalhar a “satisfação com o trabalho” Como gestora, sempre fui curiosa sobre assuntos relacionados à motivação e à satisfação do trabalhador. Talvez por estar inserida numa instituição pública onde tinha a percepção de pessoas desmotivadas e insatisfeitas com o trabalho. Queria estudar algo que pudesse ser aplicado em minha rotina profissional. A partir dessas reflexões, surgiu a minha pergunta de pesquisa: “Que fatores intrínsecos e extrínsecos estão relacionados à satisfação com o trabalho?” E aí defendi o pré-projeto para uma banca composta de quatro doutores. Foi outro grande desafio vencido. Além de funcionar como ensaio da defesa final, com tempo computado e toda a turma presente, os comentários pertinentes da banca serviram por demais para enriquecer o projeto. Concluído o projeto final, mais uma vez defendido e aprovado, parti para a coleta de dados, análise e finalização do relatório. Estávamos em dezembro de 2006 e já tínhamos a primeira aluna a defender a dissertação, concluindo o curso. Como minha população eram os próprios servidores da instituição em que trabalho, não tive dificuldades nessa etapa. A minha dificuldade surgiu em decorrência de um câncer de cérebro que acometeu um irmão meu muito querido e que o vitimou em cinco meses. Foi um período muito difícil em que não conseguia raciocinar nem produzir nada. Não gostava de falar no assunto, pois estava muito fragilizada pelos acontecimentos. Fingia que estava tudo bem. Ainda bem, que já havia concluído as disciplinas obrigatórias e defendido o projeto. Se assim não o fosse, talvez não tivesse conseguido a vitória final. Entreguei a versão final, após inúmeras idas e vindas ao meu orientador, no último dia do último mês concedido para entrega sem sanções. Por problemas de agendamento de membros da banca, a defesa só foi realizada dois meses depois. Não levei convidados. Nem marido, nem filhos. Era um momento só meu. Tinha que vencer esse último e grandioso desafio. As pessoas que vinham falar comigo, desculpando-se por não poderem estar presentes, eu dava graças a Deus. Como a defesa é pública, mandei preparar um coffee break para a banca e para aqueles que comparecessem. Fui abençoada. Deus ouviu minhas preces. Só estávamos presentes, eu, a secretária e a banca. Apresentei com a maior tranqüilidade. Depois até me arrependi por não ter convidado ninguém. E para minha surpresa, fui aprovada com distinção. Difícil lembrar outro momento da minha vida em que fui tomada por um sentimento de felicidade tão grande. Saí dali leve como uma pena com a sensação do dever cumprido. Parecia que tinham tirado toneladas de cima de mim.
E agora? Penso que foi uma experiência bastante positiva, não apenas pela obtenção de um dos requisitos necessários para ascensão na minha carreira, mas, principalmente, pelo amadurecimento profissional obtido em razão do conhecimento científico adquirido. Devo dizer, ainda, que não é fácil. Os caminhos para atingir o objetivo são muito tortuosos, principalmente porque exigem dedicação, determinação, renúncia, saúde física e equilíbrio emocional, dentre outras coisas. Só posso agradecer a Deus por me ter dado tudo isso. Venho, também, tentando tirar proveito dos pontos positivos e modificar os negativos identificados nos resultados de minha pesquisa. Não é um trabalho fácil, pois não depende só de mim. Mas acredito ser apenas uma questão de tempo. Logo terei realizado todas as mudanças necessárias à melhoria da satisfação dos servidores de minha instituição. E por fim, dizer que não vou ficar por aqui. Pretendo dar continuidade aos meus estudos, ingressando, na primeira oportunidade, no curso de doutorado.
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